Racismo algorítmico nas redes  digitais e  ChatGPT: a ferramenta generativa que provocou abalos

Por  Arlete Aparecida Mathias

Abstract : The thematic of  this  text concerns the decision of algorithms in digital networks as discriminatory patterns of society; the vertiginous advance of generative AI/ ChatGPT; the segregated racism inside and outside the digital networks lasts until  this present 21st Century.

Como sou uma mulher sexagenária  preta  compartilho que,  a igualdade racial nunca fez sentido na minha história de vida e, tampouco na história de vida de meus antecessores e coevos membros de minha nova geração familiar. Todavia,  atualmente, como pesquisadora na área de tecnologias digitais, recentemente, mapeamos em aliança com outros estudos o “racismo algorítmico” como algo cada vez mais presente nas redes digitais com implicações desastrosas  nas  rotinas de nossas vidas.  Aliás,  as  tomadas de  decisões dos algoritmos nas redes digitais como padrões discriminatórios na sociedade; o avanço vertiginoso da linguagem da inteligência generativa do Chat GPT e, o racismo segregado ainda neste século XXI, dentro e fora das redes digitais, são  preocupações  da  meta  temática  deste texto.

       A respeito disto, Silva ( 2022) na introdução de seu livro Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais, descreve sobre  a intensificação do racismo atrelado à inteligência artificial e ressalta que : -“ democracia racial e neutralidade na tecnologia são dois conceitos aparentemente distantes, mas irmanados  pelo  propósito de ocultarem as relações de poder que,- naturalizaram e aprofundaram cada vez mais as desigualdades”.

      O mesmo autor,  em entrevista no Podcast Comunicando em Preto,  ressaltou  que,  falar sobre racismo algorítmico, não é apenas discutir sobre como os sistemas computacionais tomam decisões, mas  sim é um mote que  desencadeia reflexões de que as tecnologias digitais são, estrategicamente, construídas por poucos grupos de   brancos abastados  que, majoritariamente,  se  beneficiam  do racismo estrutural.

         Em retrospectiva às primeiras décadas do século XXI, em meados de 2010,  indagações  já abalizavam  os primeiros passos de  padrões  discriminatórios concebidos pelas decisões algorítmicas, ou seja, naquela ocasião as configurações de câmeras fotográficas NiKon ,  para evitarem selfies com olhos fechados,  não reconheciam rostos  de pessoas asiáticas. Um efeito semelhante foi causado por um software   , em 2016,  cuja  configuração em torno da reincidência de crimes, favoreceu  os réus brancos e prejudicou  apenas os réus negros. Contudo, em 2019, outros  estudos que se debruçaram em torno do racismo algorítmico,  mais uma vez trouxeram à tona o fato do  sistema de reconhecimento facial de um aplicativo bancário não ter reconhecido o rosto de um correntista negro meu “ compatrício ”.

     Acerca destas mazelas constantes, Fernanda Carrera (2022) coordenadora do Laboratório de Identidades Digitais  e Diversidades da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ,  defende  o “ racismo algorítmico”  como algo  próximo  de uma  lógica colonial, ou seja,  o arcabouço de seus experimentos observam que as decisões destes algoritmos nas redes digitais, além de discriminarem alguns grupos sociais, são   ferramentas  mantenedoras de poder e de dominação.  Deste modo,   seus  levantamentos ainda  identificam  que, embora  os  códigos algorítmicos e  a aprendizagem das máquinas sejam  padrões matemáticos,  nas redes digitais e sociais, eles  funcionam como  artifícios  ameaçadores aos princípios democráticos, injustiça social e  sedimentam os alicerces do racismo estrutural.

         Eis; aqui alguns pontos  que entrelaço  ao enfoque deste texto com os indícios de que como parte da inteligência artificial, o racismo algorítmico é uma ferramenta intimidadora   – de  igualdade racial  nas redes digitais e, por isso  precisa ser  revisto  em benefício  da diversidade e da inclusão .

          A propósito, como pesquisadora jamais serei contrária à  evolução das tecnologias, ou seja,  vejo a inteligência artificial  como uma ferramenta esplêndida , que tem trazido um avanço  colossal   para a  evolução da vida.

        Todavia , abro aqui um parêntese para em carne viva testemunhar  que  o racismo estrutural,  não somente   persegue  a  história de vida  de  corpos pretos  nas redes digitais, mas  fora delas  somos sempre  vistos como  suspeitos. A respeito disto,  entre as  diversas ações opressivas  em nossa realidade  ,  trago ao leitor a  referência  de um fato impactante  que, derivou a   ação  ativista  americana intitulada   –  Movimento Internacional “ Black Lives Matter”- Vidas Negras Importam- .

          Conforme  é do conhecimento  de todos, esse movimento ativista, em 2020,  mobilizou  reinvindicações  antirracistas não só  nas ruas dos Estados Unidos , mas  as indignações  manifestadas, causaram  perplexidade ao mundo e,  ultrapassaram – as fronteiras estadunidenses,   condenando  a  truculência da polícia americana contra negros e  por racismo  ter assassinado o  cidadão preto americano  George Floyd .

        Em circunstâncias parecidas, há   alguns anos atrás,  tive um pouco  mais de sorte do que  meu compatrício  George Floyd , ou seja, enquanto  dirigia meu  veículo da marca AUDI em Florianópolis, fui  parada pela patrulha da polícia rodoviária catarinense. Os policiais, todos brancos, sem pedirem meus documentos e do veículo, de forma brusca me  arrancaram do carro. Quando  já encostada na parede  para passar por  revista,  um deles me  perguntou,  onde eu havia achado aquele “carrão”. Ao dizer-lhes que não achei, mas que eu havia comprado na concessionária autorizada com recursos do meu trabalho, eles  interromperam a revista, baixaram as armas que, me  apontavam e, enfim, solicitaram  os  meus documentos e do veículo. Nada de suspeito havia , exceto  para eles a cor da minha tez.

         A respeito disto,  jamais me calarei e, sobretudo,  com  a pergunta no valor de  um milhão de dólares, questiono: Vidas negras importam? Haverá trava e regulamento  para combatermos o  racismo algorítmico  nas redes digitais?

       A propósito,  entrelaço aqui nestas questões  a  reflexão  da  pesquisadora  1A  do CNPQ   Maria Lúcia Santaella , isto porque  sua  ampla visão no campo de comunicação  semiótica peirceana, entre outras,  inclusive as tecnologias digitais  ela  avaliou  que : “  a  ética da inteligência artificial tem que funcionar como a da  Biologia, tem que ter trava”. Seu parecer nos  desperta à percepção  de que as vidas negras importam  tanto para  a ética  da inteligência artificial, quanto elas são  parte  da totalidade  da Biologia como  Ciência da Vida.

    A Inteligência Generativa como  um  abalo surpreendente   em 2023

   Não é por acaso que- , o Chat GPT entre  os diversos tipos de inteligência generativa,  surgiu  como um relâmpago no  início deste corrente ano de 2023 e, de forma vertiginosa sua eloquência espantou,  tumultuou   a  vida humana , provocou um alvoroço,  mudanças nas mudanças, e   desafiou as  transformações no sistema de ensino/ aprendizado escolar, por ser detentor de escrita compreensível em diversos idiomas  e esclarecedor de  dúvidas inclusive em português.

        Desenvolvido pela OPEN AI ,  o repositório  do Chat GPT  possui  uma miríade de textos que,  impulsionam uma  potência descomunal  de processamentos , ou seja,   ele  foi treinado para aprender a gerar textos com linguagem natural, coerente e similar à nossa linguagem humana escrita e falada.

         O Chat GPT apesar de não ser humano,   é a figura do momento. Aliás, com ele interagi questões sobre racismo, igualdade racial e uma miríade de outros motes  dentro e fora deste campo. Contudo, curiosamente, ao questioná-lo sobre preconceito e discriminação racial, ele,  em um piscar de olhos, contextualizou-me respostas escritas por meio de textos bem elaborados contidos em análises das ações dos líderes antirracistas Martin Luther King Júnior, Nelson  Mandela e  outros ativistas contemporâneos .

       Diferente dos sistemas tradicionais, como o Google, o Chat GPT  conversa com seus usuários como se fosse  gente e, ao  receber nossas solicitações por escrito , ele  redige a escrita de um texto contido de elevada e correta  absorção da norma gramatical da língua portuguesa. Em frações de segundos, ele também   nos responde as  questões que lhes foram pedidas.

        Todavia, como nem tudo que reluz é ouro, o Chat GPT apesar de  uma deep machine  learning – máquina de aprendizado profundo-, as  suas informações textuais nem sempre são  precisas; por isso  antes de oficialmente utilizarmos seus dados contextualizados,  precisamos checá-los,  e/ou de forma colaborativa devemos interferir e complementarmos com  nossa coautoria o conteúdo dos  textos por ele produzidos.

      A natureza da linguagem dos textos do  Chat GPT  remete retrospectiva o  nosso pensamento  à  Estética  da Recepção, como a contribuição teórica  que – emancipou o leitor  às  interferências  nos  conteúdos dos textos , com possiblidades de  utilizá-los como  obras abertas. Entre os conceitos compartilhados pelos procedimentos teóricos da Estética da Recepção, ressalto inexistências  de fronteiras que isolam o autor -texto e leitor, ou seja, os fluxos  relacionais desta  tríade,  além de tênues,   são inseparáveis e se estabelecem entre si  por meio de uma escrita contínua e, ininterruptamente, inacabada.       

    A Obra Aberta (1962) de Umberto Eco  está entre as fontes referenciais que,  nos  retrocede, também,  na história da crítica  literária  como uma  abordagem  acerca da emancipação do leitor, este com liberdade de interferir  no conteúdo dos textos. Similarmente, outras teorias, também, pavimentaram este caminho de participação ativa do receptor na complementação do texto , como exemplo,   Roland Barthes   compartilhou  –  The Death of an Author (1967) – sobre a morte ou  desaparecimento do autor. Posteriormente o  filósofo  Michel Foucault com What an Author is ? (1969) ,  questionou –  O que  é  o autor? 

          Tais aportes teóricos não só descontroem a soberania de um único autor absoluto na elaboração   de tessituras dos  textos , como elas  abriram as passagens  de  liberação do leitor à escrileitura colaborativa, escrita contínua, reconstrução,  recriação  e  atualizações   constantes de textos contemporâneos .

       A respeito disto, nos  textos e experimentos artísticos  literários eletrônicos  e hipertextuais, seus leitores ou navegadores  desde o  alvorecer do século  XXI,  já  neles   interferiam, livremente, como seus  coautores. Outrossim esclareço que,  o objetivo de ter  aberto este parêntese nas pegadas históricas do arcabouço teórico da Estética da Recepção, foi para entrelaçar nela a suspeita de seu  possível parentesco com os  traços genéticos que, atualmente, implicam a natureza da linguagem dos textos gerados pela  inteligência generativa  do Chat GPT. Contudo,  a coautoria  e interferência colaborativa do leitor nos objetos  textuais  da  linguagem do  Chat GPT  é  algo , aparentemente,  presente em seu DNA e, está intrínseco no  fluxo de suas veias  de comunicação  com o leitor de seus textos.

      Portanto,  as  preocupações e os  frenesis  de docentes e  de segmentos do  sistema escolar do ensino, acerca de receios com as cópias de textos e das limitações de aprendizagem  dos alunos ou dos  utilitários  de textos gerados pelo  Chat GPT, parecem pânicos desnecessários. As atenções devem ser voltadas às orientações prévias dos estudantes, sob égide de  colaborar suas coautorias com  ações  proativas diante de textos gerados pela linguagem da  inteligência do   Chat GPT.

      Aliás, o Chat GPT é uma ferramenta que, de forma relâmpago, implanta mudança de perspectiva à linguagem da inteligência humana e, deste modo, os aprendizes o perceberão como um instrumento aliado e intensificador da inteligência de cada um deles. Ele, possivelmente, contribuirá muito para a projeção da inteligência humana, aprimoramentos  criativos  dos estudantes em  alcances muito mais profícuos. Deste modo, é oportuno avaliar que longe de qualquer modismo passageiro, o advento da linguagem do Chat GPT, sua funcionalidade  como  um  cérebro artificial extrassomático, não só nos abalou, como  parece  ter vindo para se estabelecer e fazer parte do cotidiano de  nossa vida pessoal e  profissional.  Contudo, apesar  do  ChatGPT não fazer milagres, o avanço da linguagem de seus recursos, recentemente, recriou a voz  do inesquecível  John Lennon,  para fazer um  duo  com  Paul MacCartney em composição  musical inédita.

       “ Diante deste cenário, há quem diga  que os robôs tomarão conta do mundo, e  será que, já não  estão tomando ?”

      Penso que, nestes últimos tempos junto com os robôs , as bruxas também  têm  tomado conta do mundo. Para aqueles que duvidam disto, resgato uma passagem do escritor  espanhol Miguel Unamuno,  onde ele  ressalta:- “las brujas no exísten,  pero que las hay, hay. Por isso, de acordo com o realismo mágico do universo literário  criado pelo autor espanhol , as bruxas  não existem, mas que elas existem, existem .

         Em nossa vida real  é  também na  Espanha pátria de Miguel Unamuno que,  bruxas e  criaturas aparentemente  robotizadas,   ainda,  andam e vagam  às soltas , sobretudo, nas arenas desportivas de futebol. Os  cenários destes espaços têm sido  palcos para  ataques,  injúrias xenofóbicas contra atletas negros e corpos pretos. Infelizmente, o racismo estrutural ainda  se espalha pelos diversos cantos do mundo. Dizem que, – as  bruxas não existem, mas  que o racismo estrutural e algorítmico -, existem , sim, existem e em pleno século XXI, é preciso darmos um basta , em prol do  desaparecimento deles,  em prol da igualdade racial e  da diversidade humana no planeta.  

REFERÊNCIAS:

ECO, Humberto. Obra Aberta. São Paulo: Editora Perspectiva , 1968.

BARTHES, Roland. A Morte do Autor. In: O Rumor da Língua. São Paulo: Brasiliense.1988.

BERNARDO, Nairim. Conheça o Chat GPT e suas possibilidades de uso na educação. Acesso em 22 de Março,  2023.

CARRERA, Fernanda. Racismo, tecnologia e relações históricas de dominação e poder. Acesso em: 18 de Novembro, 2022.

____________________ et al. O impacto  da Inteligência Artificial e dos Algoritmos no  Racismo Estrutural. Acesso em: 21 de Janeiro, 2021.

FIGUEIREDO, Antonio Dias. Opinião Chat GPT: o bom, o mau e o falso. Acesso em: 26 de Maio,  2023.

FOCAULT, Michel. What an Author is? New York: Cornell, 1979.

GOMES, Thiago. Vidas Negras: Movimento Internacional Black Lives Matter. Acesso em 21 de Novembro de 2020.

SANTAELLA, Lucia. A inteligência Artificial é Inteligente? Coimbra: Edições 70, 2023.

SILVA, Tarcízio. Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais. São Paulo: Edições Sesc, 2022.

Foto: Imagem  do  Blog da  Em Off Notícias , postada pelo  jornalista Leandro Moreira em 21 de Dez. 2021, ilustração da matéria Sarará Crioulo.

Deixe um comentário